sexta-feira, 23 de julho de 2010

À White Lady.

Mudança feita, os livros fora da caixa. Tudo parece de novo entrar nos eixos. Quando sua vida cabe numa mochila coisas engraçadas acontecem. Ao desempacotar relicários, pertences e tranqueiras você acha coisas que havia esquecido (como um roteiro que ousei escrever com 14 anos, ele só tem quatro páginas, mas a intenção era boa, apesar das limitações e do vasto conhecimento de três dentro três fora, linha, rabiola com chicote, colégio, hardcore e chaves), além de perder coisas das quais nunca se esqueceu (como um querido cd do Reffer – interference, é claro que num mundo idiota e globalizado o achei em mp3 mas o apego ao cd e o valor artístico agregado pesam).O abandono desse blog não é um abandono da escrita mas apenas uma falta de inspiração que insistiu em perdurar. Onde achar inspiração? E ela veio. “ela vem toda de branco...”.

Então tá vamos lá. Vou tentar fazer aqui com que duas grandes paixões se fundam numa alquimia. Como um grande coquetel. Misturar um aperitivo com as primeiras histórias do cinema não é fácil.

O ano: 1921
O filme: “The lucky dog”
Os caras: “Oliver Hardy e Steve Laurel”
A cena: após ambos atuarem separadamente em diversos curtas, ainda mudos naquela época, pela primeira vez trabalham juntos. Já haviam trabalhado com grandes nomes como Chaplin (laurel chegou a substitui-lo em dois filmes por doença do anterior, ou quem sabe era ressaca mesmo).
“Babe” Hardy, que ganhou esse apelido de um barbeiro italiano do harlem, era americano e de passado glorioso na Virginia, sua família chegara naquela região em 1963. abandonou o sonho dos pais de estudar leis e se apegou ao teatro.
Laurel era inglês e filho de artistas, um duro com sensibilidade. Após reconhecimento no teatro desembarcou na América com a intenção de se juntar com a rapaziada do cinema.
Ainda não se localizou? Estou falando de uma dupla que por aqui ficou mais conhecida como “O Gordo e o Magro”, em Portugal eram conhecidos como “o Bucha e o Estica”, coisas da terrinha (nossos queridos irmãos do bigode saliente produzem vinho no vale do 'pintão' e tem uma vinícola chamada “quinta da rapariga”) não da pra discutir muito.
Após anos de trabalho, juntos ao todo foram: 110 filmes, entre curtas, médias e longas, uma turnê europeia (teatro), três casamentos e dois filhos para Laurel ( o magro), quatro casamentos para Hardy ( o gordo). E uma história, se me permitem uma coloquialidade, cabulosa, é a de Laurel. Primeiro quando “Babe” Hardy faleceu em 7 de agosto de 1957, Laurel não compareceu ao funeral por causa do trabalho, amigos próximos dizem que ele nunca mais foi o mesmo após a morte do amigo, que se confirma devido à um sumiço e nunca mais atuar em nenhum filme, dedicou-se o resto da vida como escritor de comédias. A segunda é que reza a lenda que Laurel é pai de Clint Estwood (esse mesmo que você tá pensando) do casamento com Virginia Ruth Rogers. Clint diz que é e não é verdade (a va, ou é ou não é meu) mas que essa lenda sempre ressurge após um tempo o próprio confirma.

O Nome: White lady.
O Ano: desconhecido.
O Criador: Desconhecido.
A Cena: A cena é que esse coquetel não tem passado, que dificuldade encontrar informações sobre ele, até organizações de respeito como a ABB (associação brasileira de bartenders) e o IBA (international bartenders association) não possuam informações o suficiente, uma vergonha pra quem se dedica tanto para fazer parte desse medíocre e seleto grupo de bartenders.

As informações sobre a “dama de branco” ficaram perdidas na memoria, pura história oral. Que precisa ser documentada. Sobrou sua receita.
  • 4,5 Cl (centilitros) de Gin.
  • 2,25 Cl de Cointreau.
  • 2,25 Cl de suco de limão.
Esse coquetel que pertence ao grupo dos sours ( coquetéis curtos a base de limão e clara de ovo), batido e servido numa taça curta previamente gelada. Sem guarnição.


A escola europeia adiciona clara de ovo liquida, o que da uma textura única. A escola americana abomina clara de ovo, devido a dificuldade de se manipular tal insumo. É possível achar clara de ovo em pó, porém isso encarece o coquetel o que o torna inviável, já que brasileiro adora um chorinho ( e eu não to falando da bela musica brasileira que tem exemplares como “carinhoso”, onde a afinação em ré transmite - uma tristeza que balança-, uma frase que gostaria de ter escrito, porém Vinicius de Morais foi mais ligeiro). Essa história de chorinho é a tipica frase que a classe odeia ouvir, entre tantas, que diga-se de passagem merece um texto.

As informações recolhidas sobre esse coquetel são: um cardápio datado 1861, e as conversas com um grande cliente fascinado por balcão, uma enciclopédia humana e ainda por cima com carisma e humildade. Que transformava o bar no que ele realmente é um reduto de contos e distração.

Você deve estar se perguntando qual a ligação com um coquetel tão antigo e uma dupla do cinema mudo. O que os une é um fato que aconteceu em 1924 em um contrato assinado pelo gordo e vistoriado de perto pelo magro com a Hal Roach Studio, onde um dos termos era produzir doze filmes. Mas um termo que mais chamou a atenção foi um estipulado pela dupla e que não podia de forma alguma ser contestado. Durante o contrato no camarim não podia faltar Gim, cointreau e Limão (lime no caso deles, um limão com menos acidez e de casca amarela, aqui, vulgarmente, conhecido como lima).

Ai está o combustível de uma obra, vasta, incrível e definitivamente atemporal, com uma veia social latente e instigante , que pode parecer inocente atualmente, mas que com certeza estará viva a muitas copas.

Um coquetel onde os mais eruditos dirão:

  • Que buquê complexo.
  • E o sabor é rico.
Eu diria que esse coquetel possui cheiro e gosto.
Na noite de sexta-feira, passada, tive a oportunidade de sentir o cheiro e provar o gosto da dama de branco. Foi fugaz, e não fugazi, como todo grande coquetel curto deve ser.
Talvez com o tempo esse gosto se perca, mas tenho a certeza que lembrarei dele e irei sorrir quando desempacotá-lo-ei numa outra mudança.

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